O planeamento hídrico em Portugal e Espanha está a progredir a um ritmo lento no sentido do cumprimento da Diretiva-Quadro da Água (DQA). Esta é a principal conclusão da análise efetuada pela ANP|WWF (Associação Natureza Portugal | World Wide Fund for Nature) e pela WWF Espanha sobre as Questões Significativas de Gestão da Água (QSiGA) das bacias ibéricas.

Estes documentos são vistos como essenciais para a correção do rumo que os planos de bacia e de gestão da água vão seguir na Península Ibérica nos próximos seis anos. Ambas as organizações pedem planos hidrológicos ambiciosos que nos preparem para enfrentar as incertezas causadas pelas alterações climáticas e pela crescente insegurança hídrica. “É muito preocupante verificar que os problemas de sobrexploração das águas dos rios e aquíferos se estendem por grande parte do território ibérico.”, afirma Afonso do Ó, especialista em água da ANP|WWF.

As QSiGA dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, que estiveram em consulta pública até meados de setembro em Portugal e final de outubro de 2020 em Espanha, evidenciaram as limitações da gestão da água nos países ibéricos para cumprir as obrigações da DQA.

Depois de analisar as informações apresentadas pelas autoridades da água nas diferentes bacias ibéricas partilhadas, a ANP|WWF e a WWF Espanha constataram os problemas comuns e os desafios pendentes para ambos os Estados-Membros: “2027 é o limite estabelecido pela DQA para atingir o bom estado de todos os rios, zonas húmidas e aquíferos, mas as autoridades espanholas e portuguesas ainda têm de cumprir grande parte dos compromissos assumidos em ciclos de planeamento anteriores para atingir este objetivo”, salientam estas Organizações Não Governamentais.

Poluição difusa da agricultura e pecuária

Para estes grupos ambientalistas, a poluição difusa proveniente da agricultura e da pecuária é um grave problema que se estende por grande parte da Península Ibérica sem que as medidas até agora implementadas tenham sido eficazes na redução desta pressão sobre os rios, zonas húmidas e aquíferos ibéricos.

Para a ANP|WWF, a resposta adequada a esta pressão “não se reflete nos Planos de Bacia, porque estes continuam a apostar na manutenção de políticas para aumentar a oferta dos recursos, às custas da biodiversidade e da saúde dos rios, zonas húmidas e aquíferos. Isso só agrava os problemas que hoje sofremos e afasta-nos de uma adaptação efetiva dos nossos sistemas produtivos aos impactos das mudanças climáticas. Nesse sentido, as Nações Unidas e a WWF concordam com o conceito de ‘OneHealth’, já que rios, zonas húmidas e aquíferos em boas condições são essenciais para uma sociedade mais saudável e resiliente”.

“Não podemos continuar a atrasar o cumprimento dos Objetivos da DQA enquanto a biodiversidade dos nossos rios e zonas húmidas desaparece”, diz a ANP | WWF

A Península Ibérica é uma das áreas com maior número de barragens, canais e infraestruturas regulatórias em toda a Europa. Praticamente nenhum rio ibérico corre livremente em direção ao mar sem ser afetado por uma barragem ou por uma infraestrutura que o desvia e modifica o seu regime natural de caudais. Aliado a isso, a produção de energia hidroelétrica, o uso intensivo nos regadios ou no abastecimento urbano são pressões significativas em muitas das bacias ibéricas. “No entanto, o alinhamento das QSiGA não define uma estratégia clara para enfrentar essas alterações, nem estabelece as medidas necessárias para garantir um regime de caudais ecológicos que contribua efetivamente para a melhoria da saúde dos rios e dos ecossistemas terrestres que deles dependem. As autoridades da água esperam melhorias nos próximos anos, mas não podemos continuar a atrasar o cumprimento dos Objetivos da DQA enquanto a biodiversidade dos nossos rios e zonas húmidas desaparece, de acordo com o relatório da Agência Europeia do Ambiente sobre o Estado da Natureza na União Europeia 2011-2018”, salienta a ANP.

Má coordenação entre as diferentes autoridades, acusam ecologistas

A WWF denota com grande preocupação que uma das causas do fracasso na gestão da água se deve à má coordenação entre as diferentes autoridades, que foi ineficaz nos ciclos de planeamento anteriores: “É imprescindível articular as políticas de proteção ambiental com as políticas setoriais de desenvolvimento voltadas para a produção de alimentos, o planeamento urbano ou a geração de energia elétrica, e para isso estabelecer normas transversais apoiadas por diversos órgãos. Apesar disso, a WWF tem conseguido verificar nesta fase de revisão dos planos hidrológicos que ainda há um longo caminho a percorrer para atingir os objetivos e calendário previstos pela regulamentação europeia em vigor”.

Outra ideia defendida pelos ecologistas é a de que “o planeamento hidrológico não pode ficar refém de um modelo de exploração intensiva dos recursos naturais, uma vez que implica uma crescente degradação dos rios, zonas húmidas e aquíferos da Península Ibérica. É por isso que a WWF exige que as autoridades hidrológicas dos dois países desenvolvam planos de bacia ambiciosos para cumprir a DQA, a fim de reverter os problemas de sobrexploração de recursos e perda de biodiversidade aquática que sofremos, e que nos preparem para enfrentar as incertezas derivadas das alterações climáticas e da crescente insegurança hídrica em condições muito melhores do que hoje”.

Cenários de risco hídrico

Este alerta da WWF chega a par com o lançamento do novo WWF Water Risk Filter, que mostra os novos cenários de risco hídrico no mundo inteiro e que estima que centenas de milhões de pessoas, em cidades de todo o mundo, podem enfrentar riscos hídricos dramaticamente crescentes – a menos que ações urgentes sejam tomadas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

De acordo com os cenários projetados, as 100 cidades que deverão sofrer o maior aumento nos riscos hídricos, até 2050, abrigam pelo menos 350 milhões de pessoas, podendo aumentar de 17% em 2020, para 51% em 2050.

Divulgada no Dia Mundial das Cidades, 31 de outubro, a lista inclui cidades como Pequim, Jacarta, Jaipur, Joanesburgo, Istambul, Hong Kong, Meca e Rio de Janeiro. A China representa quase metade das cidades.

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